Nobel de Economia defende taxação de super ricos

Esther Duflo, prêmio Nobel de Economia em 2019, defendeu nesta quarta-feira a taxação global dos super ricos para financiar o combate e a adaptação às mudanças climáticas. Para a economista francesa, “temos o dever moral de deixar um planeta para as próximas gerações”. Falando no teatro do Sesc 14 Bis, no centro de São Paulo, a economista explicou, com muitos dados e fatos, como deve ser a taxação dos super ricos, das grandes multinacionais e a gestão de um fundo global que seria criado com o dinheiro arrecadado.

Famosa por seus trabalhos sobre como combater a pobreza, a economista agora volta sua atenção para as mudanças climáticas. Suas pesquisas não apenas demonstram como os eventos extremos afetam muito mais as populações mais pobres e vulneráveis como também apontam para a solução dos problemas. “Identificar um problema sem apontar uma solução é o caminho para a imobilidade, não para o desenvolvimento”, escreveu ela em um de seus livros.

De acordo com dados de 2019 compilados pelo Banco Mundial, os 10% mais ricos do planeta são responsáveis por 49% das emissões globais de carbono. Já o 1% mais rico (os super ricos, multibilionários) responde por 16,9% das emissões. Enquanto isso, os 50% mais pobres emitem apenas 11,5% do carbono dispersado na atmosfera.

Essa distorção nas emissões é perceptível tanto no nível global (na discrepância entre países ricos e pobres), como no nível local (dentro de uma grande cidade rica, mas desigual). No Rio de Janeiro, por exemplo, durante uma onda de calor ocorrida em novembro de 2023, a sensação térmica no rico e arborizado bairro Jardim Botânico chegou a 45o. A poucos quilômetros dali, em Guaratiba, empobrecido distrito  da Zona Oeste do Rio, a sensação térmica atingiu 58,5o.

Além do recorte econômico e social, há o agravante racial. No Jardim Botânico, 83% da população se identifica como branca. Em Guaratiba, o percentual é de 40%. De acordo com Duflo, essa dinâmica que posiciona os pobres, negros e outras populações marginalizadas como os mais atingidos por eventos climáticos extremos repete-se em qualquer situação e em qualquer país. Nas secas da Índia, nas chuvas e furacões no sul dos Estados Unidos, nas chuvas no Rio Grande do Sul e assim por diante.

Um estudo conduzido pelo pesquisadora Tamma Carleton aponta que cada tonelada de carbono emitida na atmosfera acarreta um gasto anual adicional para países pobres e emergentes de 37 dólares em danos (doenças e mortes prematuras). Se o valor de 37 dólares (pouco mais de 200 reais) por tonelada parece pouco, Duflo afirma que somente EUA e Europa emitem 14 bilhões de toneladas de CO2 por ano. Isso significa que anualmente essas emissões são responsáveis por um custo adicional anual de 518 bilhões de dólares aos países pobres — um montante superior ao PIB de muitas nações pobres.

Fundo global para combate às mudanças climáticas
A economista explica que a taxação sobre o carbono é politicamente difícil (lida com lobby e interesses de países e grandes empresas) e potencialmente ineficiente se não for adotada globalmente. Por isso, ela defende um imposto global para multinacionais e os super ricos (cerca de 3.000 pessoas no mundo todo). Enquanto EUA e França defendem uma taxa de 21% sobre lucro das grandes empresas, o G20 fechou um entendimento de 15%. Uma vez implantado, esse imposto geraria 300 bilhões de dólares por ano. Já um imposto anual de 2% sobre o lucro dos 3.000 super ricos adicionaria 250 bilhões de dólares por ano. Os dados são do pesquisador Gabriel Zucman, da Universidade da Califórnia, e foram encomendados pelo Brasil enquanto o país ocupou a presidência do G20.

Esther Duflo crê que ambas as propostas são factíveis. Vários países importantes economicamente já declararam ser favoráveis aos impostos, como EUA, Alemanha, França, Espanha, Reino Unido e Brasil. Há inclusive um movimento de super ricos favorável à maior taxação de suas fortunas, como ficou evidente na carta de assinada por mais de 250 bilionários e milionários exigindo que a elite política global, reunida no Fórum Econômico Mundial de Davos de 2014, aumente os impostos sobre suas fortunas. Além disso, pesquisas apontam que mesmo em países em que a população é historicamente contrária a criação de novos impostos — como EUA e França, por exemplo —, a grande maioria apoia a taxação de super ricos e grandes empresas.

Uma vez criado esses impostos globais, a economista aponta que seria um risco deixar que cada país administre sua parte do bolo. Ela identifica grandes disparidades de governança e diferentes níveis de corrupção entre os países. Por isso, ela defende a criação de um fundo global gerido pelo Banco Mundial, por uma comissão multilateral e técnica. Esse fundo seria usado da seguinte forma: transferências automáticas para as pessoas e famílias pobres atingidas ou sob risco; transferência direta para as comunidades e governos locais para ajudar na adaptação; transferência automática para a contratação de seguros climáticos; e financiamento de ações e pesquisas que possam ajudar tanto na mitigação do aquecimento global como na adaptação para as mudanças já em curso.

No caso específico do Brasil, a economista disse que o sistema seria “perfeitamente viável”, pois o país já tem bons bancos de dados com pessoas em estado de vulnerabilidade. Da mesma forma que muitos recebem o Bolsa Família, passariam a receber também ajuda do Banco Mundial direto em suas contas, sem intermediação e risco do dinheiro se esvair nos descaminhos da corrupção.

Esther Duflo, 51 anos, foi a mais jovem economista a receber o prêmio Nobel de sua área, aos 47. Ela é presidente da Paris School of Economics e ​​ocupante da cátedra de Pobreza e Políticas Públicas no Collège de France​. Também é cofundadora do Laboratório de Ação Contra a Pobreza Abdul Latif Jameel (J-Pal) e já lecionou e pesquisou no MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Boston, nos EUA. No Brasil, ela possui três livros já traduzidos: “Boa economia para tempos difíceis” (2020), escrito com Abhijit V. Banerjee; e “A economia dos pobres” (2021), também em parceria com Banerjee; e “Lutar contra a pobreza” (2022).

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